domingo, 10 de julho de 2011

Véu do despeito



Sob o véu do despeito 

Acho que inveja e despeito são quase sinônimos, mas como os conceitos são importantes para os que lidam com a palavra, o artigo de hoje se refere ao despeito, que de antipatia gratuita, não tem nada. Despeito é aquele sentimento estranho, que faz com que um colega nos trate mal no primeiro dia de trabalho, que desvia o elogio que nos é endereçado para a observação de que o nosso dedo do pé esquerdo é torto. Portanto, o despeito é motivado pelo reconhecimento do talento do outro. O lamentável na questão do despeito é o fato de que ele embota a inteligência, coloca um véu no bom senso e impede o exercício da cidadania. Encolhido em seu mundinho, o despeitado perde a noção do coletivo, do bem comum, e deixa de prestar um serviço que poderia ser importante, mas que se desvaloriza por uma visão caolha, que não analisa a polaridade de todas as ações realizadas debaixo do sol. De repente, sem mais nem menos, percebe-se uma antipatia gratuita por parte de pessoas que mal nos conhecem, ou que, mesmo nos conhecendo bem, tentam desviar o foco da ação principal para detalhes sem importância.

Muitos de nós se esmeram no autoconhecimento e no aprimoramento das nossas qualidades como passo inicial para uma consciência coletiva, no entanto, a nossa postura diferenciada pode ameaçar pessoas que não estão bem resolvidas e que sistematicamente tentarão diminuir todas as nossas realizações. Se não podem nos destruir tentam, pelo menos, nos colocar no mesmo patamar de mediocridade que elas. Pessoas despeitadas são experts em buscar aliados entre os fracos, fáceis de serem manipulados. O bombardeio de informações negativas, ainda que irrelevantes, pesa mais nas pessoas influenciáveis e o despeitado consegue, assim, chamar a atenção por algum tempo. Até cair no descrédito por causa da repetição de argumentos e da visão unilateral, quase sempre em torno dos próprios interesses.

Ser alvo de uma pessoa despeitada é bem mais cômodo, porque não precisamos nos defender, apenas deixá- la falar. Na vida, como na guerra, os aliados fazem mais diferença que a força dos inimigos e como tão bem conceituou Sun Tzu, a arte da guerra está em vencer, sem precisar se confrontar com o inimigo, o que nos leva de novo ao autoconhecimento e à generosidade com que procuramos entender os nossos opositores. Eles podem até nos fazer bem, sem querer. Podem servir de termômetro para os nossos erros e acertos, bastando para isso que estejamos desarmados, mesmo que eles venham com bombas capazes de acelerar as partículas atômicas do núcleo da paciência.

Não nos faz bem identificarmos com o despeito. Somos transportados para um nível de consciência bem próximo à ralé da alma. O despeitado é um sofredor e, como todo ser humano, merece a nossa compreensão, ainda que não queiramos nos aproximar dele. O despeito é um sentimento torpe, complicado para se eliminar da alma humana e sobrevoa nossos pensamentos como um abutre esfomeado. Basta alguém se destacar em alguma área, por menor que seja, lá estará o cão de guarda de plantão, pronto a apontar o dedo e tentar minimizar o feito do seu próximo. Convém, no entanto diferenciar algumas situações. Não há nada de errado em trabalhar para conquistar melhor posição social, visando o aprimoramento e a eficiência da nossa atividade, sem causar prejuízo ao próximo.

Escrever sobre este assunto não é nada fácil, porque identificamos no outro aquilo que temos em nós mesmos e daí, não temos como nos colocar de um lado da questão, esquivando-nos dos nossos próprios sentimentos. O autoconhecimento é sempre uma saída honrosa para nossos defeitos humanos, à medida em que procura trabalhar as virtudes, sem negar os vícios. Somente tomando consciência da nossa sombra, somos capazes de não julgar o próximo, somos responsáveis na emissão de julgamento de valores, somos equilibristas na evolução moral e intelectual. Combatemos os vícios, aprimorando nossas virtudes, com conhecimento de causa. Não basta apenas reprimir a sombra, precisamos reconhecê-la para poder enfrentá-la, ou seja, precisamos fazer acompanhar este processo interno com autopercepção. Uma atitude racional que seja, sem bom senso, não passa de hipocrisia, de repressão cega e insensata. Educando o nosso espírito podemos esperar um comportamento moral que nos conduza à generosidade. Neste sentido, podemos dizer que a generosidade é uma virtude e, como tal, é parte integrante tanto do nosso consciente quanto do nosso inconsciente, transcendendo o nosso dia a dia.

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