segunda-feira, 25 de abril de 2011

Dependência alcoólica, Valdomiro




Tolerância e Dependência 
A tolerância e a dependência ao álcool são dois eventos distintos e indissociáveis. A tolerância é a necessidade de doses maiores de álcool para a manutenção do efeito de embriaguez obtido nas primeiras doses. Se no começo uma dose de uísque era suficiente para uma leve sensação de tranqüilidade, depois de duas semanas (por exemplo) são necessárias duas doses para o mesmo efeito. Nessa situação se diz que o indivíduo está desenvolvendo tolerância ao álcool. Normalmente, à medida que se eleva a dose da bebida alcoólica para se contornar a tolerância, ela volta em doses cada vez mais altas. Aos poucos, cinco doses de uísque podem se tornar inócuas para o indivíduo que antes se embriagava com uma dose. Na prática não se observa uma total tolerância, mas de forma parcial. Um indivíduo que antes se embriagava com uma dose de uísque e passa a ter uma leve embriaguez com três doses está tolerante apesar de ter algum grau de embriaguez. O alcoólatra não pode dizer que não está tolerante ao álcool por apresentar sistematicamente um certo grau de embriaguez. O critério não é a ausência ou presença de embriaguez, mas a perda relativa do efeito da bebida. A tolerância ocorre antes da dependência. Os primeiros indícios de tolerância não significam, necessariamente, dependência, mas é o sinal claro de que a dependência não está longe. A dependência é simultânea à tolerância. A dependência será tanto mais intensa quanto mais intenso for o grau de tolerância ao álcool. Dizemos que a pessoa tornou-se dependente do álcool quando ela não tem mais forças por si própria de interromper ou diminuir o uso do álcool. 
O alcoólatra de "primeira viagem" sempre tem a impressão de que pode parar quando quiser e afirma: "quando eu quiser, eu paro". Essa frase geralmente encobre o alcoolismo incipiente e resistente; resistente porque o paciente nega qualquer problema relacionado ao álcool, mesmo que os outros não acreditem, ele próprio acredita na ilusão que criou. A negação do próprio alcoolismo, quando ele não é evidente ou está começando, é uma forma de defesa da auto-imagem (aquilo que a pessoa pensa de si mesma). O alcoolismo, como qualquer diagnóstico psiquiátrico, é estigmatizante. Fazer com que uma pessoa reconheça o próprio estado de dependência alcoólica, é exigir dela uma forte quebra da auto-imagem e conseqüentemente da auto-estima. Com a auto-estima enfraquecida a pessoa já não tem a mesma disposição para viver e, portanto, lutar contra a própria doença. É uma situação paradoxal para a qual não se obteve uma solução satisfatória. Dependerá da arte de conduzir cada caso particularmente, dependerá da habilidade de cada psiquiatra.

domingo, 24 de abril de 2011

Dicionário Filosófico de Voltaire


DESTINO

De todos os livros que até nós chegaram, o mais antigo é Homero. É em Homero que se nos deparam os costumes da antigüidade profana, os heróis e deuses toscamente talhados à imagem do homem. Em Homero também encontramos os embriões da filosofia e sobretudo a idéia do destino, que é senhor dos deuses como são os deuses senhores dos homens.

Debalde quer Júpiter salvar Heitor. Consulta os destinos, pesando numa balança os destinos de Heitor e Aquiles: diz a sorte que o troiano será irrevogavelmente morto pelo grego, e nada pode opor-lhe o soberano dos deuses. Apolo, o gênio guardião de Heitor, é então obrigado a abandoná-lo (26). Não que Homero não seja pródigo de idéias opostas, consoante o privilégio da antigüidade. Mas enfim é o primeiro em que aparece a noção do destino. Devia estar, pois, muito em voga em seu tempo.

Os fariseus, na pequena nação judaica, só conceberam o destino muitos séculos depois, porquanto, embora tenham sido os primeiros judeus letrados, eram muito novos em relação aos gregos. Mesclaram em Alexandria parte dos dogmas dos estóicos às antigas idéias judaicas. Chega a pretender S. Jerônimo não ser sua seita muito anterior à nossa era. Os filósofos sempre prescindiram de Homero e dos fariseus para se persuadirem de que tudo está sujeito a leis imutáveis, tudo está determinado, tudo é efeito necessário.

Ou o mundo subsiste pela própria natureza, pelas leis físicas, ou formou-o um Ser Supremo conforme supremas leis. Num caso como noutro as leis são imutáveis e tudo é necessário. Os corpos graves tendem para o centro da terra, não podendo tender a repousar no ar. Pereiras nunca poderiam dar ananases. O instinto de um espanhol não pode ser o instinto de um austríaco Tudo se acha ordenado, engranzado e limitado.

Não pode o homem ter mais que certo número de dentes, cabelos e idéias. Tempo vem em que inevitavelmente perde os dentes, os cabelos e as idéias

Contraditório seria que ontem não fosse ontem e hoje não fosse hoje. Tão contraditório como se o que há de ser pudesse deixar de sê-lo.

Se pudesses torcer o destino de uma mosca, nada te impediria de traçar o destino de todas as outras moscas, de todos os outros animais, de todos os homens, de toda a natureza. Enfim, serias mais poderoso que Deus.

Dizem os cretinos: O médico arrancou minha tia aos braços da morte, fê-la viver dez anos mais do que deveria viver. Outra modalidade de imbecis – os capazes, – sentenciam: O homem prudente forja o próprio destino.

Nullum numen abest, si sit prudentia, sed te

nos facimus, fortuna, deam, coeloque locamus.

Asseveram profundos políticos que se oito dias antes que se decapitasse Carlos I se tivessem assassinado Cromwell, Ludlow, Ireton e uma dúzia de outros parlamentares, esse rei ainda podia ter vivido e morrer no leito. Têm razão. E poderiam acrescentar que se o mar houvesse tragado toda a Inglaterra esse monarca não teria morrido em um patíbulo junto a Whitehall, ou sala, branca. Porém as coisas estavam dispostas de maneira que Carlos teria irrevogavelmente o pescoço cortado.

Não resta dúvida que o cardeal de Ossat era mais prudente que um louco das Petites-Maisons. Mas não é evidente que os órgãos do sábio de Ossat não eram os mesmos que os de um desmiolado, da mesma forma como os de uma raposa diferem dos de um grou ou uma calhandra.

O médico salvou tua tia. Mas não contradisse a natureza: obedeceu-lhe. Claro que tua tia não podia deixar de nascer senão na cidade em que nasceu, em ocasião certa ter certa moléstia, que o médico não podia estar alhures senão na cidade em que estava, que tua tia forçosamente o chamaria a ele, o qual necessariamente lhe prescreveria os remédios que a curaram.

Crê um camponês haver geado em seu campo por acaso. Mas um filósofo sabe que não existe acaso e que era impossível, na constituição deste mundo, que precisamente naquele dia não geasse precisamente naquele lugar.

Há pessoas que, aterrorizadas ante essa verdade, só concordam pela metade, como devedores que oferecem metade aos credores e pedem mora para a outra metade. Existem, dizem elas, acontecimentos necessários e acontecimentos não necessários. Engraçado um mundo metade em ordem metade em desordem. Que parte do que acontece precisava acontecer, outra não. Basta chegar-se-lhe um pouco mais o nariz para ver ser absurda semelhante teoria. Mas há muitos indivíduos que nasceram para raciocinar mal, outros para não raciocinar .e outros para perseguir os que raciocinam.

Perguntareis:

— E a liberdade?

Não vos entendo. Não sei o que seja essa liberdade de que falais. Há tanto tempo discutis acerca de sua natureza que seguramente não a conheceis. Se quiserdes, ou melhor, se puderdes examinar calmamente comigo o que se deve entender por essa palavra, saltai à letra L.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Carta de Ho Chi Minh



Caros anciãos,
Dirijo-me a vocês como um idoso também. Existe um ditado que versa que "os talentos se esgotam com o envelhecer" e nossos anciãos geralmente acreditam nisso. O que quer que aconteça, eles dizem: "As pessoas idosas devem viver em silêncio, nós somos velhos, nós não temos mais ambições. Cabe aos nossos filhos as responsabilidades pelos assuntos temporais. Estamos próximos da morte, não precisamos mais ser ativos".
Não me agrada essa perspectiva. Os patriotas nunca viverão ociosos por conta da idade. A China teve pessoas como Ma Fu Po(1). Nosso país teve pessoas como Ly Thuong Kiet(2). À medida que envelheciam, se tornavam mais enérgicos e heróicos.
Atualmente, nossa independência e liberdade foram reconquistadas, mas ainda teremos de enfrentar muitas dificuldades para consolidá-las. Em razão disso, nossas pessoas, sejam jovens ou idosas, devem se empenhar em assumir parte da responsabilidade.
Nossos filhos são jovens, farão o trabalho pesado. Nós somos idosos, não podemos trabalhar duro, mas nos apoiando em nossas bengalas tomaremos a iniciativa de encorajá-los comunicando a eles as nossas experiências. Nós somos idosos, devemos com sinceridade nos unir primeiramente para servirmos de exemplo para nossos filhos. Espero assim que os anciãos de Hanói façam um trabalho pioneiro com a organização da Associação da Salvação Nacional dos idosos, a fim de que os mais velhos de todo o país sigam essa idéia e contribuam para a conservação da nossa independência nacional.

Notas:
(1) Ma Fu Po, cujo nome real era Ma Yuan (14 a.C. - 49 d.C.), foi um dos mais famosos e celebrados generais da história chinesa. Durante a dinastia Han realizou inúmeras façanhas, sendo a mais famosa a subjugação das regiões de Nanman, território que hoje corresponde ao norte do Vietnã. (N.T.) (retornar ao texto)
(2) Ly Thuong Kiet foi um general que, durante a dinastia vietnamita Ly, repeliu duas gigantescas invasões dos chineses da Dinastia Sung. Ele tinha então 57 anos de idade. O general também compôs o poema Nam quôc so'n hà (Rios e montanhas da nação do sul), considerado a primeira declaração de independência do Vietnã. (N.T.) (retornar ao texto)

Crédito: Ho Chi Minh

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