domingo, 10 de julho de 2011

TIPOS PSICOLÓGICOS DE NOSSA ATUALIDADE

PSICÓLOGO ANTONIO CARLOS ALVES DE ARAÚJO
TIPOS PSICOLÓGICOS DE NOSSA ATUALIDADE

Definir os tipos psicológicos de nossa era não é tarefa árdua, mas diria pessimista e recheada de sofrimento. O primeiro psicólogo da história a tentar defini-los (CARL GUSTAV JUNG) certamente sentiria um mal estar absoluto, pois seu modelo consistia em quatro tipos específicos: introvertido; extrovertido; colérico e fleumático. O primeiro era resistente ao contato social, o segundo era amplamente narcisista, o terceiro encarnava o tipo agressivo, e o último a frieza de sentimentos. Transportando para nossa atualidade gostaria de expor ainda quatro tipos básicos: o perverso; o tímido; o autopunitivo ou sabotador e o impulsivo-agressivo. Obviamente estes não explicam o ser humano por completo, apenas é uma espécie de criar um quadro para o entendimento pessoal e social. O perverso sem dúvida alguma é o grande líder da atualidade, não tem nenhum receio ou pudor para incrementar sua vaidade pessoal ou narcisismo, a despeito do sofrimento alheio; é um orgulho fazer do mundo um palco ou museu 24 horas para expor suas perversões ou manias, sem nenhum senso crítico ou sentimento de culpa, o que vale é seu direito individualista para o gozo pessoal, independentemente se causará ou dano ao outro.

O perverso institui um tribunal de exceção, por não conseguir trabalhar a frustração, não admite em hipótese alguma perdas ou rejeições, é um ultraje alguém lhe impor regras ou limites, já que a coletividade segundo seu pensamento lhe é devedora eterna. O perverso capitaliza na plenitude sua falta ou castração segundo os conceitos da psicanálise, não lhe é possível nenhum interdito, qualquer experiência tem de estar direcionado ao seu gozo íntimo, o outro deverá acatar com parcimônia sua posição de escravo referente ao desejo do mesmo, não pode haver protesto ou rebelião, o perverso é o fundador de um estado totalitário no campo sexual e afetivo, sua tirania não é a aniquilação do outro, mas a completa subserviência perante seus desejos. O perverso se acha o pioneiro e o mais criativo na arte do gozo, tem a certeza de uma criatividade única nesse terreno, não aceita competidores apenas pessoas que possam incrementar suas crenças fantasiosas. Ele é único, um resquício de uma monarquia no terreno sexual, engrandecendo sua soberba e egoísmo citados. É seu direito ser único na arte de transgredir, rechaçar o amor em nome de uma eterna experimentação de gozos. A sociedade é seu laboratório para a masturbação.



O perverso não deixa de ser um fronteiriço entre a neurose e psicose, vive a primeira em suas relações profissionais, e a segunda na sexualidade, não apenas por causa da falta de limites, mas pela absoluta frieza que passa para seus parceiros. Outra analogia a fazer é com o drogado que se queixa do seu problema, procura muitas vezes o tratamento com a plena certeza de que jamais largará seu vício, no máximo deseja obter um mínimo de controle, e esta é exatamente a contradição dos dois tipos, criaram um plano inconsciente onde jamais pode haver tal controle ou interdito. É mais do que evidente dizer que falar em cura nesses casos é pouquíssimo provável, o que sempre lançou um desafio enorme para a psicologia e psiquiatria, como lidar com esse tipo psicológico. O que me espanta é que nunca houve um estudo de caso longo, ou seja, como um perverso de 30 anos atrás se posiciona hoje quando arrefeceu seu instinto sexual? Percebam como seria útil a observação clínica de um caso desse tipo, houve sublimação com o tempo, após a derrocada da sexualidade, se instalou a profunda depressão, houve tentativas se suicídio, toda a energia foi talvez transportada para o lado material? O perverso cresceu na cauda da decadência do lado político e social de nossa sociedade moderna, não deixa de ser um grande espelho da mesma, o que vale é uma satisfação imediata e narcísica sem o menor compromisso sentimental ou afetivo, a palavra mais distante do dicionário do perverso é o amor.

Em contrapartida ao tipo psicológico descrito temos o tímido, toda a ousadia do primeiro é totalmente negada no segundo; ao contrário do outro o tímido odeia desafios, principalmente quando sente que os mesmos serão um teste para sua auto-imagem, teme profundamente ser rejeitado, e não tem confiança alguma em seu potencial afetivo ou de conquista. Descrevi este tipo detalhadamente no decorrer de meus outros textos. O tímido tenta tirar lucro de sua não participação, conhecendo e sendo um bom ouvinte do outro e retendo totalmente a fala sobre si próprio. O histórico dessa patologia remete a diversos fatores constitucionais: falta de um ambiente familiar mais caloroso e afetivo, não reforço dos pais em relação aos ganhos pessoais da criança, e principalmente uma imagem depreciativa de seu lado físico e afetivo. O tímido acredita ser incapaz de despertar a atenção alheia quando o tema central é sua pessoa. O fato que mais marcou minha atenção no estudo durante anos sobre tal tipo é algo que talvez não fosse muito percebido pela psicologia, a canalização de toda a energia reprimida das áreas citadas para a esfera material. É impressionante como comecei a notar que quase todo tímido era tremendamente bem sucedido na questão econômica, e achava um tanto estranho, já que a falta de sociabilização poderia ser um obstáculo para seu progresso. Mas tudo faz um tremendo sentido num mundo onde pouco importa vínculos, e sim máquinas, cálculos ou informática, o tímido é o senhor supremo do impessoal, sabe tirar um proveito mágico desse atalho que a sociedade oferece. Torna-se um cidadão exemplar, exatamente para jamais ser alvo do que mais teme que é a crítica.

Na verdade voltando a falar de espelhos da sociedade o tímido representa uma parte de nossa era, abdicação da emoção e motivação genuína, em troca rotina e caráter metódico. Cumprem perfeitamente todas as convenções sociais, seu núcleo é estar constantemente protegido, seja pelo lado econômico ou por se diluir na multidão solitária. Seu preço obviamente é a falta constante de uma inspiração criativa, que deleite seu sentido de vida. O tímido pode ser encarado como aquele personagem descrito por WILHEM REICH em seu famoso livro “escute Zé ninguém”, como o homem moderno, submisso por completo aos ditames sociais, sem prazer verdadeiro, mero personagem, nunca diretor de sua peça de vida, o medo reina absoluto em seu cotidiano, acho que não preciso dizer mais nada. Sobre a questão política colocada por REICH, o mesmo enfatizava que era o homem comum quem verdadeiramente impedia qualquer tipo de transformação. O que a maioria dos psicólogos sociais e sociólogos não perceberam é que a entropia do movimento político não se deu apenas pelo fim do chamado estado socialista, está é apenas uma parte do problema. Na cena brasileira após o estado repressor assistimos o surgimento do totalitarismo do estado jurídico, sendo assim qualquer transgressão como greves ou coisa do tipo não só é punida com pesadas multas aos sindicatos, mas também a aniquilação de lideranças com sucessivos processos judiciais contra os mesmos, e numa sociedade em que ninguém tem disponibilidade de tempo para nada, tal medida é fatal contra qualquer rebelião. Percebam que se pensarmos no histórico de alguns movimentos, não era a ditadura que era temida, pelo contrário, era honroso lutar contra a mesma, fora o lucro político de tal fato, se não me engano boa parte de nossos políticos atuais foram militantes contra a ditadura. O estado sabe muito bem que uma tirania será quase de imediata respondida com ódio, seja a guerrilha ou protestos, mas a burocracia não, pois a função da mesma é justamente sufocar qualquer espírito. Estou dizendo isso, pois tal fenômeno explica a verdadeira timidez social em termos de qualquer mudança, tudo é imposto, e o indivíduo está desaparecendo nessa neblina burocrática, o resultado é o que já pontuei em outros textos, a transferência de um protesto social para transtornos psicológicos, obviamente que não estou explicando a origem destes apenas por tal evento, mas é parte de seu alicerce. Não apenas a célebre frase de JOHN LENNON (“não confiem em ninguém depois dos trinta”), mas, principalmente a motivação e vontade morrem talvez após essa idade, e o que sobra é a busca de um conforto material paralisante e recheado do mais puro vazio, e todos sabem disso, mas estão completamente viciados, e vamos “tocando a vida”, esse é o fato. O incrível é que esse estado de direito impositivo burocrático acabou por ser a própria salvação da psicanálise, nunca a mesma esteve tão em voga, justamente pelo excesso de proibições na esfera pessoal, ou seja, o clássico conceito da repressão, chave mestra da teoria citada nunca andou tão em moda.

Sobre o tipo autopunitivo todos reconhecem bem suas características: sofrimento pleno no transcorrer das diversas passagens de sua vida, ultra solidariedade com os mais desafortunados, não permitindo que seja merecedor de qualquer desenvolvimento ou prazer, deve seguir a horda dos despossuídos de autoestima, teme totalmente despertar a inveja perante sua pessoa, se esconde completamente de qualquer posição de poder ou destaque, ritualismo, normas e obsessividade são seus padrões corriqueiros de comportamento. Na verdade o maior pavor deste tipo é similar ao da timidez, medo da crítica, a diferença é que o tímido possui melhor mecanismo de defesa, tipo o bunker econômico que construiu. No autopunitivo a carga é direta, sem nenhum escudo. Podem ter ocorrido traumas de infância, ou pouco reforço na sua imagem de ego, mas independente de tais fatores seu olho clínico sempre foi o de compartilhar a miserabilidade psíquica alheia. Notem que tal caráter vai completamente à contra mão de nossa estrutura social de egoísmo e insensibilidade. O importante é cumprir todas as normas para evitar o terror de ser notado. A psicanálise explica tal caráter como à angústia da castração, se sentir subtraído de um atributo ou poder maior. O famoso psicólogo francês JAQUES LACAN, introduziu neste aspecto, o conceito da fase do espelho, onde a criança em determinada fase de seu desenvolvimento se reconheceria como objeto único, separada de qualquer complemento materno, não se veria mais em partes. Pois é justamente nessa fase que solidificamos uma crença sobre nosso potencial.Embora não seja seguidor de tais conceitos, notei que muitos relatos de pacientes acerca de quando se deu sua percepção que era único neste mundo, vinham acompanhados de dois sentimentos incrivelmente opostos; ou se achava hiper valorizada, com intensos sentimentos de grandeza e poder do que poderá ocorrer em seu futuro, ou uma angústia e decepção paralisantes, sentidas por uma frustração perante sua imagem.

Tais episódios nada mais são do que a origem genética do conceito de ALFRED ADLER sobre complexo de superioridade e inferioridade, assim sendo, o tipo descrito navega quase sempre no segundo, negando por completo o primeiro. Mas porque seu não merecimento ao desejo de superioridade? Além de problemas descritos com auto imagem, é um repúdio contra as responsabilidades que uma posição superior desencadearia. O autopunitivo esgotou toda a sua energia no privado, doméstico, não sobrando nada para sua vaidade social positiva. É como se tivesse feito uma maratona pela manhã e a tarde não tem mais empenho para nada. Já cumpriu suas tarefas, então deseja descansar ou se retirar, pois do contrário deverá lidar com a vergonha, outro terror para o mesmo.  
Esse último sentimento é motivado não por fatores reais, pois na maioria das vezes a pessoa sabe muito bem que têm seus encantos, o ponto básico é a necessidade do luto constante. O autopunitivo é uma espécie de carpideira a cada receio ou ameaça de liderança ou poder pessoal. Novamente na contra mão do que vemos regularmente. Mas então concluímos que todos devem almejar ao poder? Não necessariamente, a questão é a economia de sentidos e prazer, resistir em ser ou trocar a fundo seu real valor, pois incrivelmente o medíocre não tem vergonha de nada, se expõe ao ridículo apenas para angariar a atenção, ao contrário do autopunitivo, que retém sua energia, se transformando num avarento psíquico contra si próprio.

Sobre o impulsivo-agressivo também é outro ponto complicado. Este talvez seja o tipo psicológico que mais carrega o peso da exclusão em todos os sentidos possíveis. Seu temperamento explosivo logicamente causa uma incrível dose de ira ao seu redor. Embora sejam pessoas extremamente sinceras e honestas na maioria das vezes, pecam por uma falta de controle que as ajudariam na compreensão de seu meio. Apesar da boa autoconfiança e estima desse tipo, ainda assim não toleram a rejeição, mas como mecanismo de defesa inconsciente a provocam numa tentativa desesperada de domar o que mais temem, obviamente quase sempre fracassam e passam a maior parte de suas vidas no clássico mecanismo de FREUD da compulsão para sempre reviver experiências semelhantes de frustração. O problema central desse tipo não é bem a agressividade como muitos pontuam, mas um radicalismo exagerado numa ética que a maioria da sociedade insiste em não compartilhar. São eternos idealistas ou paladinos de causas certamente improváveis, que se estendem para seu campo pessoal e afetivo. Na verdade tal tipo não elaborou o luto por perdas de infância ou então a experiência de prazer sentida outrora teve uma duração muito curta, não se conformando que “sua vez durou tão rápido”. Empresta também um pouco do sabotador no aspecto do temor a solidão, já que não se conforma com a mesma, acaba a criando justamente para se testar, conforme mencionei antes, através de um mecanismo inconsciente. Obviamente este tipo também possui ao contrário do que demonstra um grande complexo de inferioridade, por justamente precisar responder com ferocidade toda a demanda que se coloca sobre sua pessoa. O temor de se sentir covarde é justamente o maior expoente de sua fraqueza. Este tipo se consolida principalmente na adolescência, onde a necessidade de auto-afirmação ganha importância fenomenal. O que mais estarrece a observação clínica de tais pessoas é seu histórico de atrair situações ou sujeitos com tanta ou mais impetuosidade que os mesmos, colecionam verdadeiras tragédias no terreno pessoal e profissional, tendo uma enorme dificuldade de estabelecer vínculos duradouros nos círculos mencionados. Quando há o transbordamento de toda a paixão citada costumamos ver na história o surgimento de todos os tiranos e ditadores sabendo de antemão qual será o destino dos mesmos. ERICH FROMM em sua belíssima obra “anatomia da destrutividade humana”, classificou tal tipo como de caráter sádico-anal que se transformaria numa paranóia quase que de caráter alucinatório.

Citou como exemplo o caráter de JOSEPH STALIN, que não hesitava em acusar e colocar sob julgamento seus mais próximos e colaboradores íntimos. Não se tratava apenas do delírio persecutório em si, mas que, a insegurança, ameaça e de novo inferioridade não de dissipavam nem com a conquista do poder, sendo necessário o desenvolvimento de maior carga de fúria para compensar tal frustração, é um ciclo de horror que a humanidade há séculos já conhece muito bem. O problema é que muito se estudou sobre tal psicose, mas nunca se levou a sério o estudo de como a mesma é capaz de seduzir e ludibriar milhares de pessoas. Na verdade a figura do ditador não é admirada pelo suposto traço de certeza que transparece, mas justamente pela coragem do mesmo de viver todas as suas pulsões ou instintos sem limites. Há uma grande semelhança com o perverso neste ponto, na verdade, não há um tipo puro, todos em muitos casos se tornam híbridos. Sinto-me profundamente injustiçado quando sou acusado de politizar a psicologia, penso que o problema não é politizar a mesma, mas garantir o não mercantilismo no terreno psíquico, pois é notório como reproduzimos via consciente e inconsciente todos os ditames de mercado da época em que vivemos. Consumo desenfreado e irracional é idêntico a fome insaciável de gozo do perverso, só para citar um exemplo. A questão final que temos de lidar é o que fazer, ou melhor, como se defender da chamada neurose atual. A antropologia poderia nos dar alguma pista neste sentido, pois se pensarmos nos povos primitivos, o conflito, o contato com o inconsciente era de exclusividade do chamado xamã, figura mística da tribo que encarnava todos os anseios coletivos. O problema de nossa atualidade é que não existe mais essa proteção ou espaço confinado, todos acabam vivenciando esse espaço consciente e inconsciente altamente perturbador e fora de controle, e como única saída parece que só sobra o lado material como compensação pífia de toda essa ansiedade e insegurança vivida pelo homem contemporâneo. Não custa repetir o que já disse exaustivamente em outros trabalhos, ou realmente partimos para uma relação de intensa amizade com o intuito de salvarmos o outro e a nós mesmos, ou o que restará será apenas metáfora, sonho e ilusão de uma satisfação perversa e polimorfa, desprovida de um senso de companheirismo e prazer real.

Crédito: 
PSICÓLOGO ANTONIO CARLOS ALVES DE ARAÚJO
 C.R.P. 31341/5- TERAPIA DE CASAL E INDIVIDUAL
RUA ENGENHEIRO ANDRADE JÚNIOR 154
TATUAPÉ SÃO PAULO -SÃO PAULO 
TELS: 26921958 /93883296
http://antonioaraujo_1.tripod.com/   página central do mesmo com textos inéditos na psicologia

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