A Boa e a Má Fama
No mundo sempre correu igual risco a boa como a má opinião, e na opinião de muitos, mais arriscada foi sempre a boa que a má fama; porque as grandes prendas são muito ruidosas, e muitas vezes foi reclamo para o perigo mais certo o mais estrondoso ruído. O impertinente canto de uma cigarra nunca motivou atenções ao curioso caçador das aves. A melodia, sim, do rouxinol, que este sempre despertou o cuidado ao caçador, para lhe aparelhar o laço. A primeira cousa que se esconde dos caçadores com instinto natural, suposta a história por verdadeira, que muitos têm por fabulosa, é o carbúnculo, aquele diamante de luz, que lhe comunicou a natureza, como quem conhece que, em seu maior luzir, está o seu maior perigar. O ruído que faz a grande fama também faz com que o grande seja de todos roído, quando nas asas da fama se vê mais sublimado. Quem em as asas da fama voa também padece; porque não há asas sem penas, ainda que estas sejam as plumagens, com que o benemérito se adorna. Só aos mortos costumamos dizer se fazem honras, e será porque, a não acabarem as honras com a morte, a ninguém consentiria aplausos o mundo, e menos a inveja. O merecimento sempre foi mal visto dos invejosos; são os olhos da inveja os que dão quebranto às acções generosas, que, como de cristal, parece que estalam ao lume dos mesmos olhos que as vêem. Muito diferentes visos fazem as acções generosas aos olhos da inveja, conforme a luz a que se opõe, e logo se vêem com agrados ou com defeitos. O mais excelente quadro posto a uma luz, logo mostra borrões, e visto a melhor luz, logo descobre pinturas. Uns mesmos rasgos a uma luz, são descrédito da ideia, e a outra são suspensão da arte. As obras de um herói, postas a uma luz escura da razão e da vontade, são borrões que ofendem; à melhor luz do entendimento, são primores que admiram.
Padre António Vieira, in "As Sete Propriedades da Alma"
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