CONHECE-TE A TI MESMO
És tu sujeito à cólera, ao medo, à audácia ou a qualquer paixão?
Quais são os teus defeitos de caráter? Quais os teus erros de comportamento, na igreja, à mesa, durante a conversação, no jogo e em todas as outras atividades, em particular as sociais?
Examina-te fisicamente. Tens tu o olho insolente, o joelho ou a nuca muito rígidos, a fronte enrugada, os lábios muito delicados, o andar muito rápido ou muito lento?
Têm as pessoas que freqüentas boa reputação? São elas ricas e judiciosas? Em quais ocasiões és tu suscetível de perderes o controle ou de cometeres erros de linguagem ou de conduta? Quando bebes? Durante uma refeição? Quando jogas? Ou quando és atingido pela desgraça? Ou naqueles momentos em que, como diz Tácito, "as almas dos mortais são vulneráveis"?
Não terás teus hábitos em lugares suspeitos, vulgares ou mal-afamados, indignos de ti?
Aprende a vigiar todas as tuas ações e não relaxes jamais na vigilância.
Eis a que te prepara a leitura deste livro; isto é: a refletir sem cessar sobre o lugar onde estás, as circunstâncias em que te encontras, sobre tua classe e sobre a classe daqueles com quem tens trato.
Anota cada um dos teus defeitos e vigia-te, em conseqüência.
É bom, cada vez que se comete uma falta, impor-se uma provação.
Se amargas alguma ofensa de alguém, silencia: não faças nada que traia tua cólera. Durante todo o tempo em que as circunstâncias tornarem inútil qualquer manifestação de animosidade de tua parte, não procures te vingar, mas finge não te teres ressentido; e espera tua hora.
Que tua fisionomia nunca exprima nada, nem o mínimo sentimento, senão uma perpétua afabilidade. E não sorrias ao primeiro que chegar e que te transmita algum calor.
Deves ter informações sobre todo mundo, sem entretanto comunicares teus segredos a ninguém, mas espionarás os segredos dos outros.
Não digas nada, não faças nada que choque o decoro, ao menos em público, mesmo se tu o fazes naturalmente e sem maldade, porque os outros te levarão a mal.
Mantém atitude reservada sempre, observando tudo com o olhar.
Mas, atenção para que tua curiosidade não ultrapasse as barreiras dos teus cílios.
Eis, ao que me parece, como se conduzem os homens prudentes e hábeis o bastante para se verem ao abrigo de preocupações.
Breviário dos Políticos - escrito pelo Cardeal Mazarino é parte integrante do livro Conselhos aos Governantes publicado pelo Senado Federal e organizado por Walter Costa Porto. Teve a tradução do francês para o português feita por Roberto Aurélio Lustosa da Costa.
CARDEAL MAZARINO
Giulio Raimondo Mazzarino, ou Jules Mazarin, nasceu em Pescina, Itália, em 14 de julho de 1602.
Aluno dos jesuítas, em Roma, estudou Direito em Alcalá e Madri, na Espanha e, de volta a Roma, em 1624, ingressa no serviço militar do Papa.
Nomeado, pela Santa Sé, vice-legado em Avignon, em 1634, e núncio em Paris, em 1635-6, Richelieu o convoca para o serviço de Luís XIII. Em 1639 alcança a cidadania francesa e, por influência de Richelieu, torna-se cardeal.
Com a morte de Richelieu, Mazarino o sucede, como primeiro-ministro.
Quando morreu em 1661, teria ele, segundo seus biógrafos, concretizado grande parte dos objetivos propostos por Richelieu: a modernização do estado, a restauração do absolutismo, a subjugação da nobreza, a derrota dos Habsburgos e o restabelecimento dos Pirineus e do Reno como as fronteiras naturais da França.
Para Roberto Aurélio Lustosa da Costa, tradutor deste Breviário dos Políticos, sucedem-se, no texto, "momentos de melancolia, cinismo e indiferença, quanto a qualquer valor de ordem moral, só importando a busca perseverante e incansável do poder e de sua sustentação e manutenção".
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